TOPÓNIMO "CAPARICA"


O MEU PARECER

A meu ver vem de muito longe, no tempo, o topónimo CAPARICA. Senão vejamos.

Do artigo  “A PENÍNSULA DA ARRÁBIDA E A SUA ETNO-HISTÓRIA” de Carlos David, no “Jornal de Almada” de Abril de 1979, respigámos:
            “A partir dos últimos milénios aC. a Península Hispânica é dominada sucessivamente pelos tartéssicos, pelos celtas e púnicos (fenícios), pelos romanos, pelos bárbaros e séculos mais tarde pelos árabes.Ao sul deste rio (o Tejo) , numa extensa faixa ao longo do oceano, estacionavam colónias estrangeiras, como pode colher-se dos mais antigos escritos. Os lusitani seriam autóctones, os turduli e turdetani de origem asiática, os barbarii, subdivisão dos últimos, os celtici vieram à península muito depois das colónias fenícias...
               Strabon, falando da Turdetânia... coloca os celtici deste rio (o Anas = Guadi’ana dos árabes) até ao país dos barbarii, gaba os famosos tecidos de lã dos salacietas e Ptolomeu atribui aos turdetani todo o país desde Balsa, Ossonoba, Sacrum promontorium, Calipodis flumen, Salacia, Coetobrix até ao Barbarium promontorium, o que nos faz crer que toda a costa do Oceano, além sul do Tejo, foi colonização fenícia...
               Florian, que chama sarios aos  barbarii, não os limita ao Promontorium Barbarium, dá-lhes Catralecos e Bretoleto, Coepiana e Salacia e depois da invasão celto-fenícia, acrescenta-lhes Mitembriga, Mirobriga e Cetobriga. Nos nomes dos rios, cidades e povos encontrou largos vestígios do idioma fenício: Tagus (Tejo), vem de Dagi, piscoso, abundante em peixe; Anas (Guadiana), de anas, ovelha, pelo grande número de animais desta espécie encontrados nas suas mar-
gens; Alissipo (Lisboa), de alis-ybbo, baía amena; turdetani, vem de tiltui, emigração ou deportação para país longínquo... Os turduli eram uma colónia fenícia...Os sarios ou sarrios seriam também uma colónia tyrea (provenientes de Tyro teriam como capital Sarácia ou Salácia).
               É ao caldeu que Florian vai buscar a origem do nome sario... Tsar, em caldeu (a língua fenícia era Caldaica) significa purpúreo e os fabricantes destas cores são ditos tsarah... Na península, formada pelo Tejo, Sado e Oceano existia em abundância o coccus (a matéria prima para as tintas purpúreas), distinguindo-se a serra da Arrábida pela famosa gran (a), que ali se criava e ainda no século passado (dezanove) se colhia...
               ...Barbarium promontorium, como é fácil reconhecer-se, é todo designação latina, era o nome com que os romanos designavam a pequena península de que nos ocupamos. Os romanos... sem necessidade de tomarem palavra estranha quando no seu idioma tinham a equivalente, deram aos tsarah peninsulares a denominação de barbarii, id est, infestores, tintureiros de purpúreo ou viloláceo e o território que habitavam do seu nome Barbarium.
               Diz-nos Florian que os sarios eram gente cruel e inculta...Parece-nos que Florian e outros autores confundiram o nome barbarii com a palavra barbari, por isso traduziram por ‘bárbaros, selvagens’...”
          
Ora o nome Barbarium promontorium (promontório dos Barbários) pelo qual os romanos designavam a península a que, actualmente, nos habituámos a chamar PENÍNSULA DE SETÚBAL, deu origem à designação de CAPUT BARBARICUM (Cabo Barbárico), nome que os mesmos romanos davam àquela preciosa e imponente referência náutica que era e ainda é, o CABO ESPICHEL. Com toda a naturalidade, a península era designada pelos dois topónimos. Ainda em 1757, o Pe José António da Veiga nos dá conta das duas versões simultâneas: “Promontório Barbárico ou Cabo Espichel” .
Aqui está o fundamento da minha teimosa convicção de que o topónimo CAPARICA é o resultado da fusão de CAP + ARICA
Seguindo o percurso evolutivo da expressão latina na fala corrente do povo que a ia desgastando pela ‘lei do menor esforço’, comendo sílabas mudas (ut), valorizando o ‘p’ mais forte que o ‘b’,  amalgamando sílabas aparentemente em duplicado (barbar, paba) a dificultar a pronúncia, com toda a naturalidade chegamos a CAPARICA:
caput barbaricu(m)  > capabaricu  > caparico.
CAP foi o que sobrou do desgaste de CAPUT e ARICA, o que restou de BARBARICU(M).
A mudança do masculino para o feminino dever-se-á a tratar-se duma zona, o que aconteceu com vários outros topónimos.
É claro que o povo simples, nada sabendo da génese toponímica das suas terras, tentaram explicá-la, folcloricamente no melhor sentido desta palavra, inventando sugestivas lendas, algumas das quais eventualmente coincidentes com pessoas que nelas tenham vivido ou factos reais que nelas se tivessem verificado, mas que nada têm a ver com os respectivos topónimos, como é o caso de tantas e tantas terras por esse Portugal fora (e não só). É, sem dúvida, o caso de Caparica com as lendas da CAPA RICA.
Quando, em conversa amena, expus esta minha convicção ao saudoso apaixonado desta terra, António Correia, argumentava ele que o nome CAPARICA apenas aparecia em 1529, num documento do arquivo particular do Conde dos Arcos, embora o mesmo Conde dos Arcos se referisse a um artigo de Machado de Faria em que este publicava um documento “que dá tal designação dez anos depois da sua elevação a freguesia” (1482 portanto). O nome corrente duma região não se forma dum ano para o outro. Leva muito tempo a a enraizar. No entanto, são argumentos a ter em conta, embora não me pareçam com a força suficiente para pôr um ponto final no assunto. Será que todos os topónimos estarão fundamentados em documentos coevos? Terão eles chegado todos aos nossos dias?
               Claro que não tenho autoridade, nem pouca nem muita, para impor esta teoria, o que em nada diminui esta minha “inabalável” convicção: CAPARICA vem de CAPUT BARBARICU(M).