Carta do Padre Pedro
dirigida, sobretudo, aos outros:
aos que não acreditam na Igreja mas que têm a sua fé,
aos que têm sentimentos religiosos em nada próximos dos católicos,
aos que desconfiam dos Padres e que têm a certeza das suas maldades,
aos que estão muito magoados e zangados,
talvez mesmo com o prior do Monte,
talvez mesmo com o prior do Monte,
aos que sabem que Deus não existe ou que, se existe,
mora noutro lado que não na Igreja,
mora noutro lado que não na Igreja,
Também aos que estão muito cansados e doídos,
tanto pesa a vida e as injustiças e a solidão,
tanto pesa a vida e as injustiças e a solidão,
e que já não têm força para procurar mais nada,
Ainda, aos que preferem a “bola”, o facebook e as redes sociais, as visitas ao Fórum,
Aos que não querem saber nada disto,
A todos os que, apesar de tudo, têm boa vontade para ler esta carta
por ocasião do
“Cortejo dos Reis Magos/2019”
que são também o pretexto para este texto:
“Cortejo dos Reis Magos/2019”
que são também o pretexto para este texto:
“Paz e bem”!
“Todos Te procuram.”(Mc 1.36), disse certa vez Pedro a Jesus ao olhar para a multidão que vinha atrás dele. É também o que penso de ti, do que talvez, e de algum modo, esteja escondido dentro do teu coração, e que também te trouxe hoje a este Cortejo!
De facto, nos Reis Magos há mais do que o maravilhoso mundo da infância!
Neles há essa peregrinação de alto risco, de tudo posto em causa, da vida apoucada deixada para trás em busca de uma Luz maior.
Neles descobrimos que a procura é mais vasta do que ter a vizinhança com as “práticas”da Igreja.
Os Magos são talvez como tu: pessoas que não sabem as orações, que não vão à Missa, que teriam boas razões para desconfiar dos guardiães do Templo e aliados do Poder, que poderiam dizer “Deus não existe porque existe o mal”, que poderiam ter ido aos melhores restaurantes das estrelas Michelin, mas que vão atrás de uma Estrela que lhes fala do lugar onde encontrar a carne e a infância do Bem. E lembro um poema de uma espécie de rei mago dos nossos dias, o poeta Carlos Drummond de Andrade, comunista convicto, e que, quando já ia adiantado nos seus 73 anos, escreveu ferido assim: “O único assunto é Deus/ O único problema é Deus/ O único enigma é Deus/ O único possível é Deus/ O único impossível é Deus/ O único absurdo é Deus/ O resto é alucinação.”
Sabes, a Estrela continua a existir!
A sua procura chama-se “desejo”: de beleza (o que é diferente de maquilhagem), de verdade (o que é diferente de slogans e do telejornal da TVI. De facto, as redes sociais, a TV, muitas vezes permitem-nos falar de tudo sem compreender nada…), de amor (o que é diferente de férias).
Penso que quem escava fundo no desejo um dia descobre o Evangelho! A “Estrela”hoje é o Evangelho: tudo o que há de mais fundo no desejo encontrado como luz na Palavra de Deus! E lembro, a propósito desta lealdade profunda com o que desejamos, não Freud mas alguém com quem ele certamente teria gostado de conversar: Agostinho. Foi ele quem disse certa vez: “Toda a vida dum bom cristão é um santo desejo. O que desejas, não o vês ainda; mas o desejo torna-te capaz de ser saciado, quando chegar o momento da visão. Desejemos porque havemos de ser saciados! Esta é a nossa vida: exercitarmo-nos pelo desejo. Pois bem: tanto mais eficaz será este santo desejo, quanto mais nos libertarmos dos desejos que em nós suscita o amor do mundo. Como já alguma vez dissemos, para encher um bolsa, é preciso que esteja vazia. Se queres, portanto, encher-te de bens, liberta-te do mal.”
Mas queria, ainda assim, sublinhar o seguinte: este Cortejo valoriza a memóriada teu povo. Não aos “Halloween’s” que nos excitam com os seus horrores! Aos escravos modernos distraem-nos e destroem-lhes a memória! Um génio do cinema, Buñuel, nada amigo da fé dos católicos, disse certa vez: “É preciso começar por perder a memória, nem que sejam só fragmentos , para perceber que ela é a essência da vida. Vida sem memória não é vida... a nossa memória é a nossa coerência, a nossa razão, o nosso sentir, até as nossas acções. Sem memória não somos nada...”.
Na nossa memória sempre passeia Deus: às vezes reconhecido, conversado e abraçado. Outras vezes apenas como eco da Sua própria ausência, tanto o Seu silêncio que confundimos com a Sua inexistência.
Outras vezes, e talvez seja o mais grave, deus torna-se um boneco que nos faz brincar perigosamente com ideias religiosas que não funcionam. Que não acrescentam à vida rasgo, luz, compromisso. Aliás, é o que diz o 2º mandamento, que fala mais contra as falsas imagens que inventamos de Deus do que contra as imagens dos santos: “não farás para ti imagens falsas de Deus”diz respeito, tantas vezes, e apenas e tão só, à confusão e fixação religiosa da nossa mente em ideias falsas acerca de Deus que habitam em nós demoradamente.
Mas Deus está onde o deixamos entrar. Ele não é uma invenção mas uma descoberta. “Para uns Deus é aquele que permite o sono, a palavra reconfortante que afasta a inquietação e a procura. Mas para outros é exactamente aquele que nos arranca a essa falsa paz, na qual, como escreveu Pascal, o mundo vivia antes de Cristo.”(Lubac)
Daí lembrar-te que nada impede que um lugar escuro e de cheiros nada agradáveis possa ser o lugar de Jesus. A “temível”gruta onde Jesus é bebé chama-se Igreja. “Mas a Igreja não é tanto a humanidade que procura Deus, mas Deus a procurar a humanidade! Aqueles que a olham de fora não podem acreditar que nela exista tanto de juventude e de fé. Acusam-na de materializar o Espírito. A verdade é que ela espiritualiza a matéria, marcando-a com o selo de Deus!” (cf Zundel) Portanto, não acredites que Igreja serve para culpabilizar as pessoas. Hoje os culpabilizadores estão de novo aí, apontando para outros “pecados”. Pecados impostos pelo politicamente correcto. Na verdade, “o cristianismo não inventou a noção de pecado mas a de perdão.”(G. Davila)
Daí permitir-me dizer-te como Jesus certa vez o disse: “Não temas!”
Não é covardia homenagear a verdade corajosamente descoberta, como os Magos, depois de um longo e difícil caminho! Eles finalmente entraram! Creio que porta da verdade é horizontal e baixa. A porta da fé chama-se humildade (A esperteza, finalmente, sempre se evade e foge. Mas a alma humilde fica lá nem que seja à sede no lugar que lhe foi assinalado). Enfim, é só lá dentro que se dá pela altura daquilo a que somos chamados!
E não te assustes, não há nenhum conflito entre a fé e a razão. Apenas entre duas teimosias: a da fé sem razão, a que melhor chamaríamos “fundamentalismo”, e a da razão sem em a humildade da razão, a que melhor chamaríamos “ideologia”. Não esqueças: não há técnica nem modelos matemáticos para resolver o pessoalmente importante! Nessas alturas reparamos que se cremos em Deus não deveríamos dizer: creio em Deusmas antes Deus crê em mim. De facto, nesses momentos reparamos que crer assemelha-se mais a palpar, tocar, verificar com os sentidos do que ao “pensar”solitário de uma qualquer versão da soberba. Podemos tocar no amor de Deus: é isso a tangível vida da comunidade, dos que se amam como Jesus!
Daí acreditarmos firme e racionalmente na virgindade de Maria: se Deus existe, existe habitando onde quer! Irracional é julgar que só pode existir um deus que mora onde “eu”o autorizo e do modo como “eu”o autorizo. A virgindade de Maria quer dizer que “só Deus dá corpo a Deus”(Guy Touton). A virgindade de Maria significa que se pode querer o que Deus quer, de modo pleno. Chamamos a isso vocação. Se bem vivido, na alegria, serviço e fecundidade chamamos-lhe comunhão. Em Maria a vocação e a comunhão são perfeitas. Em nós, na Igreja, vemos o Espírito Santo fazê-las crescer!
Termino com um texto escrito por uma padre russo que diz uma palavra para todos nós, de todo o mundo:
“Olhai bem: Cristo não nos deixou uma só linha, não fez como Platão que nos deixou os seus diálogos. Não nos transmitiu nenhuma tábua da lei, como por seu lado fez Moisés. Não nos deu o Corão como Maomé. Não fundou nenhuma ordem religiosa como fez Buda. Disse apenas: "Eu estarei convosco até ao fim dos tempos...". E nisto consiste a experiência mais profunda do cristianismo." (Alexander Men)
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