VII Domingo do Tempo Comum * Ano C * Homília Primeira Comunhão

I

Estamos aqui a afirmar o coração da nossa .
Ter fé quer dizer ter algo por real e verdadeiro em virtude do testemunho de outra pessoa. Ou seja, a partir da força do testemunho de outra pessoa. A fé aponta a uma realidade; não para uma mensagem relativa. Os sentimentos dependem das nossas experiências subjectivas, cada um com as suas. De facto, pertencemos à época pós-moderna. E a característica deste tempo pós-moderno é que o sentimento vale mais do que a realidade. Dizem o importante é como te sentes, o importante é o que sentes. Ora na fé o importante é como respondes com confiança — SIM ou NÃO — ao testemunho dos que te dizem: Deus está vivo e interessa-se por nós
E não é isso o que experimentamos na nossa vida de Igreja? 
Aliás, Deus alimenta-nos: com o Seu Corpo na Eucaristia, com a Sua Palavra na vida, com a Sua vida tocada na verdade da nossa comunhão! 
A fé depende da nossa abertura à realidade que não controlamos mas que existe! 
A fé toca naquilo em que acredita e de que se aproximou com a saúde da confiança.
A realidade torna-se presente e actual. 
Na verdade, ter fé é conhecer Jesus, é ter confiança e certeza de que está presente na nossa vida.

Repara, para ter fé é muito importante pensar e portanto desconfiar! 
Ou seja, duvidar do que o nosso egoísmo e comodismo nos aconselham e, portanto, bloquear os pensamentos maus. 
E quais são os pensamentos maus? 
Aqueles que invadem a nossa vida com escolhas de egoísmo, comodismo, calculismo. 
O calculismo é essa maneira de pensar muito, muito, mas apenas para depois ser muito egoísta! 
Esses são, parece-me, os pensamentos que deveriam ser bloqueados. 
E assim se percebe que tornar-se católico não é renunciar a pensar mas aprender a pensar!(Chesterton). Pensar com razão! 
Um grande sábio e professor de matemática disse uma vez que a razão é oposta ao raciocínio porque as suas exigências são opostas(P. Florensky). 
É que, não raro, muitas vezes, temos raciocínios que servem apenas para inventarmos um modo que nos justifica de não amarmos... a Deus e o próximo. 
Ora ser católico é aceitar e chamar pelo seu Deus como Ele é. 
Não aceitar a Igreja quer dizer, o mais das vezes, inventar e querer um deus que seja seu, como é seu o seu próprio calculismo…
E pergunto, a pessoa que não acredita em nada do que se refere a Deus, não estará numa prisão? Sim, está na prisão de um só pensamento!
Há pessoas que com delicadeza dizem que não sabem se acreditam,
que, de facto, preferem não tomar uma posição sobre estes assuntos que não compreendem. 
E isso é uma coisa admirável... desde que admitam que a coisa que não compreendem é superior à sua mente que não a compreende (cf Chesterton)...
Ponho o exemplo dos milagres, não são apenas uma coisa absurda, uma coisa incompreensível? 
Se repararem bem para nós, cristãos, um milagre é como um feriado: significa apenas que assim como o homem num dia feriado diz a sua liberdade de homem — hoje vou aonde quero!— num milagre Deus também diz a Sua liberdade: Vou fazer o que quero porque não quero que as pessoas se imaginem sozinhas…”
E, de algum modo, é isso a Eucaristia: 
Deus não quer que as pessoas estejam sozinhas e comunga com elas a vida do Seu Filho!
Bem sei que há coisas para nós incompreensíveis. 
Mas não por isso são coisas inexistentes ou, nem sequer, coisas menos importante (Youcath). 
Há coisas incompreensíveis mas abraçáveis, como se vê num filho pequenito que não conhece o caminho mas aceita entrar por ele a dentro sabendo que se o pai lho aponta e acompanha é porque é um bom caminho!
Daí que, e a concluir este ponto, queira dizer como o Péguy: 

A fé é uma coisa simples. 
A fé vem por si. 
Para acreditar, basta a gente deixar-se ir, basta olhar. 
Para alguém não acreditar, seria preciso 
violentar-se, torturar-se, atormentar-se, contrariar-se. 
Empertigar-se. 
Inverter-se, virar-se do avesso, subir por si acima. 
A fé é bem natural, fácil de vir, simples de todo, vinda como quem não quer a coisa. 
Boa de vir. 
Óptima para andar.

II

De seguida queria afirmar com toda a gratidão que a fé traz-nos à Igreja
Aliás, a nossa fé trouxe-nos Igreja… 
Nestes dias difíceis, muito difíceis, a fé chega-nos da Igreja e a fé traz-nos à Igreja. 
De facto, tem sido uma semana, tem sido uns tempos, muito horríveis para todos os católicos por causa de coisas muito feias que por esse mundo fora sacerdotes fizeram. Como é dia de festa não vamos falar muito nisso. 
Acontece que nesta mesma semana, embora já há muito o desejasse fazer, foi colocado um cordão escarlate nesta parede atrás da cadeira onde me sento, onde se senta o sacerdote que preside à Stª Missa, aqui nesta Igreja. 
Por isso, e ainda assim, sempre digo que este fio de cor escarlate (que também poderei chamar de cor carmesim ou púrpura, tudo nomes que as Escrituras referem em relação a um fio com o qual este deseja ser parecido) e que um dia, nos tempos antigos, foi lançado em Jericó, da janela da casa de uma mulher que tinha sujado muito a sua vida. 
Entretanto, os missionários de Deus tinham-na visitado em sua casa. 
Eles disseram-lhe: se tiveres este fio esticado— este fio que faz lembrar o sangue que um dia escorrerá do Céu à terra no Coração de Jesus, Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo e nos dá a Paz —, se estiveres ligada e dependente deste cordão, que nos lembra que a misericórdia de Deus escorre em favor das misérias da terra, a tua casa será uma casa de salvação, para ti e para toda a tua família!
A Bíblia diz ainda que esta pobre mulher, de nome Rahab (cf Jos 2. 15sg), seria chamada a ser avó do rei David e, por esse lado, uma avó muito antiga de Jesus. 
Quer dizer, Jesus teve uma Mãe santíssima e puríssima. 
Mas o resto da família não era assim. 
Assim foi nesses tempo, assim é agora. 
Na verdade, nestas alturas a gente percebe que afinal e, por vezes, Judas é muitos
É nome de muitos a fazerem muito mal a não poucos. 
Dolorosamente, também, nestas alturas, também, aparecem muitos insultos contra a Igreja. Parece que sem insultos nem os que a odeiam nem os covardes sossegam a sua (in)consciência.
Certo que dentro da Igreja há sacerdotes maus cristãos, sucessores de Judas. 
Mas fora também não faltam os que negociaram com ele a corrupção, cobradores dos negócios da traição e dos juros da indignidade. Certo que o homem que se vende recebe sempre mais do que vale” e certo também que quem se mete a fazer essas compras há muito que desbaratou a honra e a dignidade. 
Por isso sempre vos digo: não acreditem nos jornais e nas televisões! Eles não querem apurar a verdade. Aliás, querem apenas provar que a pureza não existe. 
Desprezam inteiramente a recomendação ingente do poeta lançada por altura da bomba atómica: Homens, não sede destruidores!(E. Pound). Doutro modo, mas de um modo bem real, são também violadores.
Enfim, não se esqueçam — e isto é impressionante — que o Senhor chamou os pecadores para salvar os pecadores! E aqui está, então, este fio escarlate junto donde se senta o pobre sacerdote por cuja vida e ministério, porém, o sangue de Jesus vive em nós!

Daí esta pergunta: afinal o que é a Igreja? 
De facto, se vista do lado do Judas ele também erra no cálculo’ acerca das intenções de Jesus 
Na verdade, Judas, enganaste-te acerca daquele a quem escolheste enganar! 
Porque Jesus nunca foi reacionário — tão pouco nos dias de agora. 
Ou seja, depois do que fizeste Judas, e do que fazem os Judas de qualquer tempo, Cristo não disse, não diz: uma vez que me traíste agora eu reajo ofendido e nunca mais Me voltarás a ver e a encontrar!
Não, a Igreja é aquela que nunca é traída por Jesus! 
A Igreja é una, santa católica e apostólica. 
Quer dizer está adornada de todos os dons da preciosa comunhão que Jesus sempre lhe dá! 
A Igreja é aquela única a saber por inteiro o sabor do beijo e do abraço redentor de Cristo que lhe transmite respiração e vida. 
A Igreja é aquela que Jesus sempre veste e reveste de misericórdia. 
Mas esta, a misericórdia, não é coisa barata e não basta falar dela da boca para fora: 
“O mundo inteiro, está sob esta falsa graça (da misericórdia fácil, "barata"). O mundo parece que se tornou cristão [tantos falam com simpatia dos valores cristãos], mas o cristianismo, sob esta misericórdia fácil, tornou-se mundo como nunca antes o fora. Portanto, também hoje os cristãos vivem como a vive o mundo, adequando-se em cada coisa ao mundo e sem se esforçar em coisa nenhuma — evitando os cristãos de serem acusados da heresia do fanatismo — por conduzirem, sob a graça, uma vida diferente da que levaram debaixo do pecado. Nesta falsidade de valores que se dizem cristãos o mundo vê cancelados, num preço baixo, os pecados de que não se arrepende e dos quais muito menos quer ser libertado. O cristianismo barato é o inimigo mortal de nossa Igreja
A nossa luta trava-se hoje em torno da vida da graça que é um tesouro oculto no campo, por amor do qual o homem sai e vende tudo o que tem, seguindo o chamamento de Jesus Cristo o qual, ao ser ouvido pelo discípulo, faz que este largue as suas redes e O siga, e para que se alcance este dom tem que se orar, e à porta do Senhor muito tem que se bater (cf D. Bonhoeffer). 

Por isso, pelo amor de Deus, nunca faltes à Missa. 
Não sejas mundo ingrato.
E se te acontecer essa coisa tristíssima que é faltar à Missa não venhas comungar na Missa  seguir. Não estás em comunhão. Nesse dia não mintas a ti mesmo e, menos ainda, ao teu Senhor! 

III

Queria dizer-vos, então, que o coração da Igreja é a Eucaristia, a Hóstia Santa que irão comungar daqui a pouco pela primeira vez.
Jesus disse no dia da primeira Missa: 
Isto é o Meu Corpo; Isto é o Meu Sangue. 
Tomai e comei, Fazei isto em memória de Mim!
Ora ligar muito a si mesmo, ligar tanto a si mesmo, com habilidades sempre abundantes de vaidade, egoísmo e orgulho, desligando-se de Deus, eis no essencial o drama de que Jesus, Ele mesmo, é a misteriosa vitima. 
E é para não o esquecermos, é para o agradecermos, que tantas vezes rezamos o Angelus na nossa catequese. 
Quando dizemos que o Verbo incarnouque outra coisa estamos a dizer senão que o Verbo de Deus, o Filho de Deus, é Aquele que a partir da primeira Quinta-Feira Santa fez dom de si mesmo como pão na Eucaristia?
Um padre santo disse certa vez: Eu mesmo desesperaria da minha vida se não houvesse esse abismo de silêncio, essa actividade indescritível de Cristo-Hóstia, que nos recoloca sem cessar na verdade da acção. Um dos grandes milagres do Evangelho não é esse de nos fazer aceitar o papel de servo inútil, fazendo-nos viver da Comunhão dos Santos?” 
E é por isso que temos todo este nosso amor à Hóstia Santa e à Santa Missa na qual ela como que nasce, renasce, para nós! Esta — a Stª Missa — permanece o mistério mais sagrado da nossa fé porque através dos seus gestos e dos seus símbolos trata de nos fazer encontrar a Presença do Amor. E nós não temos outra tarefa a realizar que não estar Presente ao Amor, outra modo de viver que não seja para o Amor, outra coisa a testemunhar que não o Amor, outra razão para nos apagarmos que não diante do Amor. (M. Zundel)

IV

Queridos amigos: que Jesus guarde a vossa inocência!
Diz um salmo: "Esta é a geração dos que o procuram, dos que buscam a face de Deus de Jacob". Mas qual é "a geração" que procura o rosto de Deus, qual geração é digna de "subir ao monte do Senhor", de "estar no seu lugar santo"? O salmista explica: são aqueles que têm "mãos inocentes e coração puro", que não dizem mentiras, que não juram falso contra o próximo. Portanto, para entrar em comunhão com Cristo e contemplar o seu rosto, para reconhecer o rosto do Senhor no dos irmãos e nas vicissitudes de todos os dias, são necessárias “mãos inocentes e corações puros". 
Mãos inocentes, isto é, existências iluminadas pela verdade do amor que vence a indiferença, a dúvida, a mentira e o egoísmo. (cf Bento XVI) 
Sabem porque é que os anjos conseguem voar? 
Porque dão pouca importância a si mesmos. 
Ou seja, não se esqueçam de adorar Jesus! 
Deem muito importância a Jesus. Voem para junto do Seu amor!

V

Peço-vos por conseguinte que sejam fieis. 
fidelidade é a maneira como mostramos aos outros, a nós mesmos mas, antes demais, ao Senhor que o tempo não nos tornou ingratos e mais ou menos cépticos e cínicos. 
Que  tempo não nos amoleceu nem estragou: 
como o leite que azeda, como o motor que enferruja ou o atleta que deixa de ter genica para fazer desporto. 
Não, nós que nos alimentamos de Jesus, somos fieis! 
O tempo se nos faz alguma coisa é tornar-nos mais bonitos: 
na humildade, na simplicidade, na alegria, enfim... 
Alguém disse que a lealdade é, finalmente, a única virtude como a traição único pecado! 
É também a única virtude que não perece, que não se estraga, ao triunfar (cf N. Davila) 
Por conseguinte, com que humildade reparamos que nos foi dado permanecermos fieis!
Portanto, ser fiel é não ter medo. E uma grande vergonha um cristão com medo. 
E o que desencadeia o medo é a falta de confiança na força do mestre. 
Os discípulos que abandonaram o mestre aumentaram a coragem dos algozes, dos maus, que os atacavam.
Na verdade, quem se cala perante os inimigos de uma causa fortalece-os. (cf Card. Wyszyenski). 
Aliás, não esqueçamos de pedir a pureza de coração. 
Essa que nos permite suplicar e confiar em no Senhor que nos mantem corajosos e fieis: 
"Meu Deus concede-me a graça de ver a aridez e a miséria dos lugares onde não Te adoram mas Te profanam." (Flannery O'Connor)

Termino: Deus ama repousar em nós e que nós repousemos nele.(Balduíno de Ford). 
É isso que Ele nos dá quando temos silêncio no coração e, portanto, Jesus na nossa vida!


Nota 

Para evitar que a Primeira Comunhão esteja dependente e associada ao calendário escolar (e o consequente fim das aulas seja, assim, o fim da ida à Missa), as Primeiras Comunhões são feitas a meio do percurso da Catequese…








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