Comunhão na boca, comunhão nas mãos?


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Paróquia 
de N. Senhora do Monte de Caparica
31.Maio.2020
  
1. Diversas pessoas me perguntaram sobre a modalidade correcta de receber a Comunhão: na boca ou nas mãos? Tema delicado. Creio que a minha condição de pastor impõe pronunciar-me. E pronunciar-me com liberdade. A Verdade de Jesus promete-a, aos que acolhem a Sua Palavra. 

Servem, assim, as linhas que seguem para expressar o modo como recebi e entendi o texto, e o contexto, do documento da passado dia 8 de Maio publicado pela Conferencia Episcopal Portuguesa (CEP). 

2. Nesse documento comunicam-se as orientações da CEP para a vida da Igreja neste tempo, ao nível da prática litúrgica. Parece tratar-se, fundamentalmente, de um apelo ao senso comum, com a proposta de um conjunto de disposições sanitárias que contribuam para garantir que as Igrejas sejam locais cumpridores  das boas práticas indicadas normativamente pela DGS. Por conseguinte, o texto da CEP assume-se como referência — “orientações” — para o clero e os fiéis católicos nas suas práticas de piedade e expressões de vida comunitária, na modalidade considerada sanitariamente responsável, face à crise gerada pelo Covid-19.

3. É um documento taxativo em não poucos números. Sem desenvolver argumentos, sobre o quer que seja, apresenta conclusões. Todavia, não parece que esteja suficientemente articulado e garantido o devido enquadramento pastoral, que terá que ser sempre doutrinal (sem o que se corre o risco de haver pouco mais do que uma mera tautologia das disposições emanadas pela DGS). Assim, parece-me que não raro o sanitário (nem sempre sustentado por qualquer evidencia científica) se sobrepõe ao pastoral e doutrinário. Às vezes atingindo-o. 

4. De facto, e centrando-me apenas em torno do numero 27 (“Continua a não se ministrar a comunhão na boca”), que tem sido debatido com intensidade nestes dias, fica a pergunta se neste tempo da vida da Igreja, no pós-Vaticano II, e quando se deseja constituir comunidades adultas e capazes de comunicar com racionalidade a sua fé, fica a pergunta — dizia —  sobre a consistência de tal formulação: um documento que se auto intitula apenas de “orientações” obriga a consciência? Aliás, um documento que foi oferecido à opinião pública sem papel timbrado que identifique oficialmente a sua proveniência, e que não foi assinado pelos pastores que o escreveram, é expressivo de um diálogo? Por outro lado, põe-se a questão de saber se o que está a ser proposto são medidas de higienização das práticas celebrativas ou antes, e apenas, a expressão do desgosto, de não poucos pastores, por causa da comunhão na boca? Com efeito, parece-me que aproveitar este momento para colocar a questão entre “ou amor aos ritos” ou “amor à Palavra de Deus” ultrapassa, e em muito, a questão de saber qual a prática da comunhão que dá mais garantias de segurança sanitária. 

5. Nesse sentido, o imperativo da já referida norma 27 não ajuda, uma vez que é apenas impositivo e sem qualquer explicação sustentada em evidência científica. Na verdade, quem recebe a Comunhão na mão (ao que parece uma, senão a principal, via de multiplicação dos contágios) entra, não raro, em contacto directo com a mão do ministro da Eucaristia e quem assim comunga leva sempre a mão à boca. Os fiéis que assim fazem desinfectaram as mãos imediatamente antes de comungar? Porquê tanta força em impedir a comunhão na boca e deixar essa outra eventual via de contágio no esquecimento? De facto, no texto da CEP não se indica como se exercerá essa medida (26). 

6. Obviamente, estes foram tempos de grande exigência para os pastores por razões que só a dureza de coração não reconhecerá. E penso, antes de mais, naqueles a quem o Senhor chamou ao episcopado. Naturalmente que as manobras políticas, seja do Primeiro-Ministro, procurando envolver a Igreja na manipulação das datas, seja a desconsideração do comentário feito pela Ministra da Saúde sobre o 13 de Maio, tratando com leviandade política e desrespeito o povo católico, seja, ainda, o confinamento da abertura das celebrações litúrgicas nas Igrejas para o fim de tudo, num gesto de paternalismo e rebaixamento dos crentes, até ao último e recente episódio regalista e vexante da DGS, ao distribuir cartazes com uns desenhos a indicar os preceitos a serem seguidos na hora dos fiéis irem à Comunhão, tudo isso é um desaforo.   

7. A insolência das críticas sem amizade e comunhão de fé, o deslumbre com a pose das ideias próprias, o ajuste de contas com pastores que, por vezes, parece não se estimar, os abaixo assinados que apenas transportam para dentro da Igreja práticas demagógicas, nada disso me parece serem práticas virtuosas. Na verdade, nós, os católicos, comungamos e, portanto, amamos a unidade e obedecemos.

8. Cristãmente, este é um tempo para nos responsabilizarmos em partilhar com os mais pobres. Chama-se a isso caridade e, se o é, é muito generosa e comprometida com as dificuldades reais das pessoas. Tudo isso me está presente e bem presente. Bem sei, também, que o cuidado com os pobres flui de mil modos: seja nas modestas, mas reais e efectivas, realizações da Paróquia, seja nas acções grandes realizadas por grandes organizações, seja, naturalmente, através dos serviços do  Estado. Outra coisa não seria de esperar!

9. Faço notar, no entanto, que nestes dias são duas as grandes questões se me colocam: primeiro, como conseguir que todos os fiéis que participavam na Eucaristia nesta Paróquia — antes da pandemia — tenham agora lugar dentro do Templo aquando das celebrações (aliás, com esse objectivo, e desde já, foi criada nesta Paróquia mais uma celebração da Santa Missa às 9h30 de Domingo). E a segunda, que é como que um desdobramento da anterior: como servir que com tudo isto mais pessoas descubram a vida que Deus lhes oferece na Igreja? Como afirmar a missão
Enfim, que Deus Nosso Senhor permita, a uns e a outros, aperceberem-se que a questão sanitária é também, e muito seriamente, um apelo do Céu para re-orientarmos a vida: abrindo o coração nesse gesto essencial a que os Evangelhos chamam conversão.

11. Neste e naquele pormenor, naturalmente que o documento da CEP permite os ajustamentos adultos e sensatos dos pastores nas suas circunstâncias próprias. Nesse mesmo sentido, e concretamente no que diz respeito à questão da modalidade a cumprir no que se refere à comunhão — na boca ou na mão —, pretendo que sirva esta carta para dar conhecimento aos fiéis do entendimento do Pároco sobre esta questão. Assim, e obviamente, nesta comunidade tem sido, e sempre o será, devidamente comunicada a orientação do documento da CEP. Salvaguardando, todavia, e com todo o respeito, a escolha consciente e responsável, própria da piedade da cada um, na sua opção por comungar na boca. De facto, este gesto de grande significado na memória católica não parece ter sido posto em questão por um documento escrito por entre urgências várias, de uma forma que parece ser baseada eminentemente com a preocupação em conseguir os expectáveis consensos sanitárias, não pretendendo configurar doutrina nova sobre estas matérias. 

12.  Termino. Na lucidez de reconhecer que as modalidades sobre o modo de comungar não são uma questão “absoluta”, invoco de Deus a Sua benção sobre todos nós, para que, segundo a bela palavra de Stº Agostinho, sejamos guardados “no essencial em unidade, na dúvida em liberdade e, em tudo, na caridade» (In necessariis unitas, in dubiis libertas, in omnibus caritas).
Pelo que, e finalmente, de modo algum por causa da Comunhão não ofendamos a Comunhão!


No Senhor Jesus

P. Pedro Quintela





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