Alguns excertos de textos importantes, e surpreendentes, sobre um tema que está muito em voga — a liturgia e os seus cânticos!
- · Andrei Tarkosky, Esculpir o Tempo, pg 289
“Comparemos a música oriental [do extremo oriente e, certamente, também, o Gregoriano] com a ocidental. O ocidente está sempre aos berros: “Eis-me aqui! Olhem para mim! Vejam-me sofrendo, amando! Como sou infeliz! Como sou feliz! Eu! Meu! Para mim!”Por sua tradição, o Oriente não diz uma só palavra sobre si mesmo. O individuo deixa-se absorver inteiramente por Deus, pela Natureza, e pelo Tempo...
- Vasco Graça Moura, Discursos vários poéticos, pg 398
“Por vezes, na sua tentativa, pós Vaticano II e bastante apressada, de aproximar mais Deus das pessoas, a Igreja cai numa espécie de mau gosto patético (basta ver os tão pouco convincentes textos litúrgicos traduzidos do latim e o tipo de cantorias absolutamente insípidas acompanhadas à viola, sem as quais não há hoje nem missa, nem boda, nem baptizado...)”
- António Araújo, Da Direita à Esquerda, (Cf pg 59-63)
A invocação da qualidade de católico para justificar dada opinião ou o uso de expressões como ‘ávida é um dom de Deus’e similares, porque circunscritas ao universo dos que têm fé, tornou-se inadmissível (...)
Em Portugal como noutros lugares, a religião tem sido objecto de uma vivência da espiritualidade dominada por uma noção de fé auto-construída (“a minha fé”) a partir de uma síntese de elementos muito heterógenos e até heteróclitos (por exemplo, a herança do catolicismo mesclados de elementos provindos de crenças new age, do budismo e ou terapias várias). Tudo isto se processa no quadro do que alguns sociólogos da religião já apelidaram de “bricolagereligioso”(...)
Encontramos também um profundo desejo de auto-expressão com laivos espiritualistas, em fenómenos tão diversos como os testemunhos emocionados de familiares ou amigos nas missas por alma dos defuntos, as trocas de fotografias de férias, os slideshowsautobiográficos exibidos em ocasiões especiais (aniversários natalícios ou de casamentos, jantares e curso, bodas e funerais) ou ainda a descoberta do tango como forma de libertação do selfoprimido pela obsessão de ser feliz.
Em face de tudo isto, compreende-se que os que ainda aspiram a manter-se no seio da Igreja e dos seus mandamentos se confrontem com a pergunta dilacerante que serve a um dos livros de David Lodge: How Far Can You Go? E, ao ensinar os jovens crentes que a ‘castidade não deve ser confundida com a beatice’, mesmo um manual’moderno’como o Youcat não dá reposta satisfatória aos seus anseios. De igual modo, a tentativa de sexualização litúrgica, nas missas com jovens aos gemidos, acompanhados a viola, pode seduzir alguns adolescentes betos (rectius, sacrobetos), sendo um paliativo para a sua sofrida abstinência — mas não mais do que isso.
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