AMAR A EUCARISTIA


Limitados às nossas mais animais necessidades, tornámo-nos menos que bichos, porque éramos homens…
Era preciso resistir a essa degradação espiritual e assim dez de nós, com Camille, Marcel, Reneé e Henri formámos uma nova comunidade cristã. Foi assim que preparámos e festejámos o Natal "encontrando-nos" de tempos a tempos ao Domingo, entre dois toques de chamada, num canto da cela, encarrapitados no alto duma espécie de beliche para comentar S. Paulo, rezar um pouco por um pequeno missal que escapou milagrosamente a todas as buscas e dividir entre nós, o melhor que podíamos, os embrulhos que depressa se esvaziavam no meio das mãos que se estendiam e continuavam a estender-se.

A 21 de Dezembro à noite, quando ia começar a trabalhar, René, que entrava, agarra-me e leva-me aos lavabos: Toma, já cá está a encomenda, deu-ma o Jean Eugéne, um tipo de Ligori que trabalha no nosso bairro. Deu-ma na retrete... Desta vez era uma caixa de pasta de dentes Gibbs em celulóide azul. Meti...Cristo... na minha algibeira e guardei-o três noites. Durante o dia é o René quem o tem. Evita-se a busca e os roubos do Kommando.

No dia 24 ... fomos à meia-noite para a cela. Camille, Marcel e mais alguns comprimem-se à roda da caixa que está em cima dos meus joelhos. Muito devagar li a Missa da meia-noite. Um protestante que sabe da coisa oferece-se para guardar o corredor de indiscretos. pouco antes da comunhão, um tipo que não sabia tudo, diz-me ao ouvido: Paul, só falta Ele... — Só mais um minuto e vais tê-lO. Espantadíssimo, com os olhos cheios de lágrimas, recebe a hóstia. Camille e Marcel tomam a deles. O protestante chorava…

Cá fora, no pátio gelado, no meio das barracas, cintilava um pinheiro iluminado. Símbolo desolado de uma alegria que muitos já não tinham e diante do qual tivemos que suportar durante dias intermináveis  chamadas. mas há manobras que, por muito diabólicas que sejam nem sempre triunfam. Só chorei uma vez, enquanto lá estive, e foi de alegria, nesse Natal.

Paul Beschet SJ

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