1. Guardião dos dois maiores tesouros de Deus no mundo, o Seu Filho, Jesus, e a Sua Mãe, a Virgem Santíssima — assim o ensina o seu grande devoto, Bernardino de Siena. Bastaria dizer, porém, que foi o pai adoptivo de Jesus na terra, e que é a esse titulo que hoje o celebramos. E que é daí, portanto, que decorre o “Dia do Pai”, dia esse que ganhou preponderância sobre tudo o mais neste tempo genericamente pouco piedoso.
2. Pai!
“Pai” é dar vida, é dar a vida.
Mas não é nisso, no entanto, que distingue o pai da mãe!
Tentando diferenciar ambas as missões diria, desde logo, que o pai dá a vida como homem, não como mulher... Esta trás os filhos para junto de si, senta-os no calor do seu colo, assegura-lhes que são queridos. Conversa e conversa e quer, ainda, e o mais das vezes, mais conversa. Ela é toda cuidado e solicitude para com os filhos. E bendito seja Deus pelas mães que assim o são!
Já o pai ensina os filhos sobre as coisas que sabe e com as quais os deslumbra. Antes ensinava-os a caçar, a pescar, a defenderem-se ou a atacar. E, ainda agora, gosta que os filhos gostem do que ele gosta: do seu trabalho, que tantas vezes deseja tornar dinastia, das suas histórias heróicas (pelo menos assim é ouvido) ou do seu clube de futebol. O pai é enorme para os seus filhos. E é sempre valente. Ensina-lhes aquelas coisas que o fazem sábio aos olhos dos seus.
O pai costuma (costumava?) estar mais longe do que a mãe. Porque o pai está fora por causa do trabalho. O pai trabalha longe, está misteriosamente ausente. Mas isso não quer dizer, de modo nenhum, que abandonou a família. Saiu para trabalhar e há-de regressar com tanto gosto pela sua casa.
O pai sabe o que é a verdade! O pai tem certeza porque experimentou o que é a verdade. O pai diz a verdade (... sei de uma família de 6 irmãos, dois deles mortos, e todos toxicodependentes, não por acaso eles que desde cedo se aperceberam que em casa o pai mentia e mentia…). O pai merece todo o respeito dos seus filhos. Antes demais porque também ele mesmo é obediente: ao Pai nosso que está nos Céus!
3. Há nos evangelhos uma palavra tremenda dirigida por Jesus aos judeus [bom, bem sabemos que “judeus” são todos os que em qualquer tempo e nação não querem a Palavra e a Vida de Jesus...]. Em Jo 8, a um dado momento, Jesus fala do diabo pela primeira vez nesse Evangelho. Na disputa com os fariseus diz-lhes que “vós fazeis o que ouvistes ao vos pai!”(8.41). Umas linhas mais à frente acrescenta que “vós sois de um pai que é o diabo e quereis cumprir os desejos do vosso pai”. E que ele é “mentiroso e pai da mentira” (8.44).
Portanto... há uma paternidade demoníaca: aquela que ensina a mentira, que educa à mentira, que valoriza os expedientes da mentira. Mesmo quando ensina os filhos a serem honestos e prestigiados nos calculismos da existência (“deves fazer bem aquelas coisas que devolvem uma prestigiada opinião de ti mesmo e elevado rendimento contabilistico”) mas muito falsos no perguntar e no enfrentar o significado e o sentido de tudo isto a que chamamos vida.
Mas porquê, então, apontar essas perversões nomeando o seu autor como “pai” da mentira? Não tenhamos duvidas, gerar mentira no mundo é demoníaco. Estabelecer opinião pública de mentira é diabólico. Incentivar ao orgulho porque “consegues, basta determinares-te e é tudo teu, tudo está ao teu alcance, tudo está disponível para o teu apetite e descartável segundo o teu capricho basta criares o teu próprio mundo”, tudo isso parece-me serem declinações de uma mesma desobediência original: porque uma coisa é o que eu quero, outra aquilo a que Tu me chamas!
Note-se, portanto, que perto perto do demónio não há silêncio porque este é todo atenção — ao Outro! Quando muito, o “pai da mentira” é capaz de se esconder sem barulho, mas na pose de caçador, à espreita do covarde golpe à espiada vitima.
4. O que está a acontecer neste tempos é demoníaco? Não o diria assim, simplória e insensatamente.
Todavia, arrisco afirmar que o demónio e as suas mentiras tornadas ideologias — várias — treinou gerações para pensarem que “isto”, o mundo, a natureza, o que tantas vezes se chama liberdade, as capacidades técnicas, a autonomia não tem que ver com o Mistério. Que são apenas realidades instrumentalizáveis, com maior ou menor utilidade e prazo de validade. Com efeito, se na China os cidadãos dizem “Estado”, com a candura servil dos que sempre se vergaram ao Império (sem ousarem a liberdade que tem sempre uma irrenunciável dimensão de irredutiblidade pessoal), no Ocidente, por sua vez, dizem “Técnica” com a candura de quem se confia ao curandeiro. Quando se vêm perdidos ambos dizem“Nada” como se o absurdo fosse a conclusão de tudo.
Para mim, e obviamente, parece-me que a origem deste vírus não deverá ser procurada numa qualquer teoria conspirativa. A tragédia é outra: esta de gerações imensamente desprotegidas, incapazes do silêncio, que desconhecem ou desprezam o Mistério de Deus e se vêm agora incapazes de acolher em tudo isto, no sofrimento e na solidão que toda estas situações provocam, um sentido de amor e, portanto, de conversão pessoal — de redescoberta do essencial. Na verdade, não somos a primeira geração de homens a passar por situações extremadas. Mas seremos daquelas menos preparados para nos transcendermos e fazermos encontro com o significado da existência. Ou seja, esta é uma hora que nos convida à comunhão. À comunhão na fé com Cristo! Comunhão naquela fé que está disponível para receber as perplexidades do que acontece na evocação da presença de um Outro que ensina o mundo a não dizer eu sem com reverência balbuciar Tu.
5. De S. José não sabemos pouco: sabemos o essencial. Deus deu-lhe uma missão, uma vocação. Chamou-o a qualquer coisa muito maior do que as suas possibilidades. Aliás, todas as vocações participam mais ou menos (da consciência) dessa desproporção. Mandou-o cuidar e proteger Jesus e Maria de Herodes. E a qual de nós o Senhor não ordena que guardemos a fé do contágio do Mundo (o mundo é quem não espera nada de Deus, quem não espera Deus) e o nosso amor à Igreja, como mãe do nosso amor a Jesus? Mandou-o trabalhar que é uma realidade muito mais humilde do que ganhar, prestigiar-se, realizar sonhos ou fazer um cv impactante... Ora, tudo isto que nos chega acerca de S. José foi-nos transmitido por Maria, porque ela, a Igreja, é habitada pela sabedoria do Espírito, e é ela quem conhece os segredos do coração de José.
6. Bem sabemos que nem tudo o que acontece é vontade de Deus mas que temos de acolher a vontade de Deus em tudo o que acontece. Precisamos de silêncio de coração para não nos apavorarmos com o que está acontecer. No silêncio de coração Jesus diz-nos o Seu amor por nós e oferece-nos confiança. A comunhão como que se confirma: voltamos a acreditar, mais e com mais esperança, porque nela somos visitados!
S. José era um homem atento ao que estava a acontecer em redor de si: seja aos perigos, seja aos bons caminhos. Lutou com o mundo tomando as decisões de fé. Protegeu os seus, caminhou com eles. Foi pai. Também por isso era um homem de silêncio — é sempre assim que comparece nos textos evangélicos, a falar com o Senhor, em grande silêncio face ao mundo.
Soube obedecer em humildade a Quem lhe dera a sua vocação — ser pai — e esse é sempre o sinal do homem, do santo: obedecer.
Este é um tempo de obediência: na fé e na confiança na paternidade de Deus, na humilde comunhão com os pastores, no acolhimento dos desígnios de Deus, na busca da comunhão dos santos, no pedido de ajuda que fazemos uns aos outros para nos acompanharmos nas modestas modalidades possíveis, na esperança que não engana de regressarmos lá, onde há já não “Herodes" mas família, comunidade e paz!
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