Oitava da Dedicação
17 novembro 1912
(Aos meus queridos afilhados,
Raissa, Vera & Jacques)
... Vou comungar. O padre pronunciou as temíveis palavras que a devoção carnal considera consoladoras: “Domine non sum dignus...”.
Jesus está a chegar & não tenho mais que um minuto para me preparar para O receber. Daqui a um minuto estará “sob o meu tecto”...
Não me lembro de ter varrido a morada onde Ele vai entrar, como um rei ou como um ladrão, não sei bem o que pensar desta visita.
Alguma vez varri a minha casa de luxúria e carnificina?
Deito um olhar, pobre olhar apavorado, & reparo que está cheia de pó & de lixo. Por toda a parte há como que um cheiro a putrefação & imundices.
Nem me atrevo a olhar para os recantos mais sombrios. Vejo que nos lugares menos obscuros, há nódoas – antigas e recentes- a lembrar-me que massacrei inocentes, e em que numero & com que crueldade!
As paredes estão cheias de bolor & delas escorrem gotas frias que me lembram as lágrimas dos infelizes que me suplicam em vão, ontem, anteontem, há dez, vinte, quarenta anos...
E atenção! Ali à frente da porta descorada, quem é aquele monstro agachado em que até agora não tinha reparado & que se parece com o que por vezes vislumbro no espelho? Parece dormir sobre a armadilha inflexível, selada por mim & tão bem fechada a cadeado para não ouvir o clamor dos mortos & o seu lastimoso Miserere...
É preciso realmente ser Deus para não ter medo de entrar numa casa assim!
E aqui está Ele!... Qual será a minha atitude, o que irei dizer ou fazer?
Absolutamente nada.
Ainda antes de passar a soleira da minha porta já terei deixado de pensar n’Ele, já não estarei, terei desaparecido nem sei bem como. Estarei infinitamente longe, por entre as imagens das criaturas.
Ficará sozinho & Ele mesmo há-de limpar a casa, ajudado pela Sua Mãe, da qual pretendo ser escravo mas que na realidade é minha humilde serva.
Quando tiverem saído, um & outro, para visitarem outras cavernas, regressarei, trazendo mais lixo.
Léon Bloy
(Traduzido por Sofia Sá Lima)
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