Em torno de S. Roque

S. Roque de Montpellier havia morrido em 1327 perto de Piacenza, Itália. Antes havia feito a peregrinação a Roma, ajudando os pobres que se cruzavam no seu caminho. Ferido da peste, alimentado por um cão que lhe levava todos os dias lhe um pedaço de pão à gruta para onde se havia retirado de quarentena”, aí morre em extrema pobreza e humildade. Rapidamente venerado como santo protector contra a peste, eis que 150 anos mais tarde, Veneza consegue trazer para a cidade da lagoa, as relíquias do venerado santo. As pestes não deixavam de reaparecer, o medo era grande e a fama taumatúrgica de S. Roque não parava de crescer. De uma ponta à outra da Europa a devoção afirma-se de tal modo que também em Lisboa correu célere a fama da presença das suas relíquias em Veneza. 

Ora nesses tempos reinava na nossa terra D. Manuel I, o Venturoso... Os movimentos diplomáticos com a Serenissima, a braços com a perda do domínio do comercio das especiarias orientais, era intenso. Para selar o bom entendimento diplomático o grande Dodge Leonardo Loredan (magnificamente pintado por G. Bellini) foi convidado pelo nosso rei para ser padrinho do seu primogénito, o futuro D. João III. 
E assim, nesse mesmo âmbito de bom entendimento, o rei português pede ao seu compadre veneziano que lhe seja facultada uma relíquia do S. Roque. Negócio diplomático talvez mais difícil do que o anterior… Mas eis que depois de demoradas negociações, cerca de 10 anos, uma relíquia de S. Roque é cedida e chega à ermida que lhe foi dedicada em Lisboa, situada no local onde depois se haveria de construir a grande igreja que lhe seria dedicada. Na verdade, as gentes acreditavam no poder das relíquias e as mesmas traziam multidões às Igrejas.

Mas regressemos a Veneza. Para ilustrar o poder devastador das pestes qua aí grassavam, basta lembrar que Giorgione, mestre de mestres, havia morrido vitima da mesma em 1510. E que em 1576 Titiano, mestre, seria também vitima de idêntico mal. 

Enfim, é no correr desse século politicamente muito difícil para Veneza, que S. Roque terá o seu mais fulgurante pintor: Tintoretto (1518-94). Movimento, teatralidade, sombras alongadas e luz, colocação arquitectónica das personagens e dos espaços, dramaticidade, piedade, devoção e verismo, tudo isso arrasta consigo em deslumbre o pincel do mestre da Scuola di S. Roco. 
Aí, nesse faustoso hospital e escola, a doentes e a alunos a dor e o esforço era atenuado pelo mistério gozoso de tanta Beleza.

Enfim, basta olhar para a pintura que aqui se reproduz para sermos tomados pelo fascínio de tal obra: Jesus perante Pilatos, na figuração de uma nobreza e dignidade que não é aviltada na hora da cruz...




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