Perdi duas versões de duas tentativas que fiz de publicar o "III Sermão sem Missa”! Por alguma razão nublosa para mim o computador não me tem permitido fazer “save”…
Tratava-se de comentar o Evangelho do V Domingo da Quaresma — Jo 11.1-45. Lembrei-me de o refazer e de o publicar hoje, no Sábado que os cristãos ortodoxos dedicam ao “santo e justo Lázaro”. Lê-se em Jo 12.1 que “seis dias antes da Páscoa veio Jesus a Betânia onde se encontrava Lázaro”. Daí terem os ortodoxos fixado neste dia a leitura de Jo 11, “cosido” e feito coincidir com o episódio acima citado.
Tratava-se de comentar o Evangelho do V Domingo da Quaresma — Jo 11.1-45. Lembrei-me de o refazer e de o publicar hoje, no Sábado que os cristãos ortodoxos dedicam ao “santo e justo Lázaro”. Lê-se em Jo 12.1 que “seis dias antes da Páscoa veio Jesus a Betânia onde se encontrava Lázaro”. Daí terem os ortodoxos fixado neste dia a leitura de Jo 11, “cosido” e feito coincidir com o episódio acima citado.
O Evangelho de S. João desenvolve-se em torno de duas partes: 1-12 e 13-21. O segundo bloco centra-se na eminência da Paixão, na mesma, e na Ressurreição. É neste segunda parte que comparece e em sobreabundância o tema do amor.
Toda a primeira parte, porém, é dedicada fundamentalmente à realidade da fé. Nesse mesmo percurso S. João chama a nossa atenção para 7 “sinais” realizados por Jesus. É assim que são nomeados pelo Evangelho os “milagres" embora muitas vezes na linguagem comum não se faça esta distinção. Por conseguinte, em João os “sinais” são milagres carregados de significado e sentido de fé. O primeiro é Jo 2.1-12 (Caná); depois 4.43-53 (Cura do filho do centurião), 5.1-19 (Cura do cego da piscina probática), 6.1-15 (Multiplicação dos pães), 6.16-21 (Jesus anda sobre as águas) e, finalmente, 11.1-57 (A ressurreição de Lázaro).
Vou procurar comentar este trecho do Evangelho percorrendo o perfil espiritual das pessoas que participam neste história embora com
* Começo pelos Judeus vindos de Jerusalém.
Não há como dar a volta: João descreve com muita crueza o fechamento dos “judeus”. Hoje, por muitos lados, tenta-se fazer concessões e reinterpretações, como se João não fosse tão contundente quanto o é. Corre no ar do tempo a sombra do anti-semitismo e um complexo “complexo" de culpa dos cristãos. Mas levantar essa questão mais não faz do que transportar o cenário das culpas e angústias do séc. XX/XXI para os alvores do cristianismo. De facto, para João os “judeus” não são uma etnia ou uma raça a exterminar. Note-se: João é “judeu”, quase todos os discípulos são “judeus” (há também o grupo dos chamados “gregos” que aparecem nos Evangelhos), a Mãe do Senhor é “judia”, e Jesus mesmo “é” o Rei dos Judeus. Na verdade, a questão é outra. Para João os “judeus” são os que se organizaram e obstinaram a dizer não a Jesus: “veio para o que era Seu e os Seus não receberam!”(Jo 1.11). Obviamente que o discurso de João não é maniqueu, como se houvesse os sempre bons e os sempre maus. Para ele os “judeus” têm naturalmente sentimentos de compaixão (11.33), são capazes de se comover com a comoção de Jesus (vs.36), muitos convertem-se (vs.45).
Acontece, no entanto, que João confronta-nos com a covardia das massas e das multidões de todos os tempos, dos que se aprontam para a violência na alienação de uma das grandes danças orgiásticas que junta sempre numerosos adeptos: o som e os êxtases das maiorias, essa “criatura” muito facilmente manipulável, embora calculista, covarde e cruel. Por conseguinte, os “judeus” de João aprontam-se a apedrejar Jesus (vs.8), participam no cortejo dos que só (re)conhecem a morte (vs.19) e não têm recolhimento para perceber o segredo que Marta confiou a Maria (vs.31). Enfim, olham de um modo apoucado (vs.37) e negoceiam com o Poder (dos Príncipes dos Sacerdotes de então ou de qualquer outro Imperador e central de poder dos dias de hoje — com as suas TV’s e órgãos de "imposição" social) (vs.46). De facto, Jesus esconde-se deles (vs.54) pois sabe que as “ eleições” que se preparam, votando em quem deve morrer, são uma manobra para O trair.
* Outro grupo, por nada olhado de um modo condescendente neste episódio é o dos discípulos de Jesus. Penso que se pode dizer que eles pouco percebem do que estava a acontecer!
De facto, não têm um olhar de comunhão com os movimentos de Jesus (vs.8), mas apenas um modo de ver “natural-exterior”, não contemplativo, incapazes de entrar no sentido daquilo que está a acontecer (12-13). Um deles, Tomé (vs.16), tem um ímpeto generoso, mas não de fé: dispõe-se a ir morrer com Jesus quando o que o Senhor desejava era que eles participasseem de um “sinal” qu anunciava a vida em abundância (Jo 10.10). Aliás, o próprio de Tomé é muito trapalhão: confunde a graça de “perceber” com “pensar que percebe” e “pensar que percebe” com “reduzir a escala” e “amputar a vida de mistério”...
Todavia, tudo o que é decisivo neste episódio do Evangelho como que se reafirme e reforça. Não por capacidade dos discípulos mas por dádiva de Jesus. Seguem-no, acolhem a Sua Palavra e o Sinal, hão-de comungar do Seu frémito (vs. 33 e 38). Por fim, retiram-se para “uma cidade junto do deserto Efraim” (vs.54), porque fora no deserto que o antigo Israel se preparara para entrar na Terra prometida a que acresce essa cidade ter um nome que quer dizer fértil. Pois como bem sabemos, para os que acolhem a Palavra o deserto é fértil...
* Tem todo um outro relevo a família de Betânia onde Jesus já fora visita e aonde, agora, vai cumprir uma grande visitação! Só o Evangelho de João a refere. Trata-se de uma família extra-ordinária, pelo menos para os parâmetros das Escrituras. Não se lhe referem os antepassados, tão pouco os pais. Parecem ser filhos do Novo Testamento. Aliás, é de notar que de nenhum deles é referida a vida de casado, não porque houvesse qualquer mal nisso mas antes porque parecem ter desposado o Evangelho com a dedicação de quem lhe descobre a fragrância. Tal localidade— Betânia — não é um lugar neutro e sem relevo na história evangélica. A aldeia está colocada no lado luminoso, poderíamos dizer gozoso, do Monte das Oliveiras — pronta a ser iluminada mal nasce o sol. Jesus visitava e regressava a Betânia muitas vezes, contente com aqueles amigos! Não esquecer que do outro lado do mesmo Monte, no seu sopé, ficava o jardim onde iria sofrer o mistério da agonia: a agonia do mistério do Verbo Incarnado, a traição de Judas, o abandono do grupo dos seus discípulos e amigos...
Betânia significa “Casa dos pobres”. Tão pobres, tão despidos de vanidades, que nada da riqueza do mistério de Cristo ficava por acolher, adorar e abraçar em sua casa!
* Refiro-me agora a Marta. É apresentada como uma mulher inteligente. Diligente também. Sabemos que Lucas a apresenta um pouco ansiosa e algo justiceira. Mas isso ficara lá para trás: Jesus corrigiu-a e ela “converteu-se”! Em Jo 11 Marta ocupa os vs 20-28 e depois o vs. 39.
Deus deu-nos a inteligência não para nos excitarmos a tentar ser brilhantes, prestigiado... e não raro enredados nos “Lego's” dos adultos: dedicar tudo às complicações técnicas da vida e recorrer a técnicas rudes de alienação para fugir de perguntar “o que é isto a que chamo vida?”... Ora Deus deu-nos a inteligência para nos aproximarmos, nós mesmos, por nossa decisão, da Verdade: “Quando Marta ouviu dizer que Jesus estava a chegar, foi-Lhe a encontro...” (vs 20). Deus deu-nos a inteligência para sabermos ouvir Aquele em quem queremos com razoabilidade confiar! A inteligência, no entanto, é muito redundante: Marta como que insiste em “explicar” a Jesus o Evangelho, quase que lhe dá catequese, argumenta. Repare-se, por exemplo, na repetição por Marta daquilo que “eu sei” (vs 22 e 24).
Certo é que irá concluir a sua intervenção com uma maravilhosa profissão de fé. Com efeito, a inteligência quer razões para crer: “Não gostaria de crer se não pudesse perceber que é sensato crer” dirá na Idade Média S. Tomás de Aquino. Porque é disso que se trata: Deus Nosso Senhor deu-nos a inteligência para termos fé, para sabermos muito bem em quem queremos confiar!
Deus deu-nos a inteligência não para nos excitarmos a tentar ser brilhantes, prestigiado... e não raro enredados nos “Lego's” dos adultos: dedicar tudo às complicações técnicas da vida e recorrer a técnicas rudes de alienação para fugir de perguntar “o que é isto a que chamo vida?”... Ora Deus deu-nos a inteligência para nos aproximarmos, nós mesmos, por nossa decisão, da Verdade: “Quando Marta ouviu dizer que Jesus estava a chegar, foi-Lhe a encontro...” (vs 20). Deus deu-nos a inteligência para sabermos ouvir Aquele em quem queremos com razoabilidade confiar! A inteligência, no entanto, é muito redundante: Marta como que insiste em “explicar” a Jesus o Evangelho, quase que lhe dá catequese, argumenta. Repare-se, por exemplo, na repetição por Marta daquilo que “eu sei” (vs 22 e 24).
Certo é que irá concluir a sua intervenção com uma maravilhosa profissão de fé. Com efeito, a inteligência quer razões para crer: “Não gostaria de crer se não pudesse perceber que é sensato crer” dirá na Idade Média S. Tomás de Aquino. Porque é disso que se trata: Deus Nosso Senhor deu-nos a inteligência para termos fé, para sabermos muito bem em quem queremos confiar!
Enfim, diligente e operativa, a fé de Marta tem um segredo para testemunhar a Maria: Marta sabe o que é decisivo no “mistério da fé”, Marta tem fé, isto é, reconhece que “está ali o Senhor e manda-te chamar”(vs 28)! Pois que outra coisa é ter fé senão saber onde está Jesus e sair ao Seu encontro? Sim, ter fé é obedecer de todo o coração a Jesus que chama!
* Não por acaso, certamente, quando colocada perante Jesus, Maria faz a mesma afirmação que Marta: “Senhor, se cá tivesses estado não teria morrido meu irmão...” (vs 32). Mas (e é importante este “mas”) não se coloca a argumentar com Jesus: o amor é intuitivo e directo. Não precisa de argumentar. Apenas de dizer. De “se” dizer. Maria é o amor, a caridade derramada nos corações, que se determina a querer Jesus: “ao ouvir isto levantou-se prontamente” (vs. 29). Aliás, como já antes dela o fizera a Virgem da Anunciação. Sempre por Jesus e com Jesus. A inteligência “contempla”, o amor “quer”. Daí que de Maria se diga que ao chegar onde Jesus estava “caiu-Lhe aos pés” (vs. 32). Só o amor consegue dizer com todo o amor “só Deus basta” (Teresa de Ávila) …!
Maria é nomeado primeiro do que Marta em Jo 11. Porque “a maior é a caridade...” (1Cor 13.13). Depois segue-se o tempo de Marta, que se instrui, cresce, purifica e aprofunda na fé (vs. 20-28 e sobretudo 39). Mas depois regressa (Maria vs 29-33) com tal autenticidade (maturidade?) que o seu coração comove o coração de Jesus (vs. 33). Séculos à frente o santo cardeal Newman haveria de escolher para seu lema a máxima “Cor ad cor loquitur - O coração fala ao coração - ” talvez recordado de quanto o amor de Maria havia despertado a compaixão de Jesus e que, no começo, a compaixão de Jesus havia salvo do opróbrio o coração de Maria...
Maria é nomeado primeiro do que Marta em Jo 11. Porque “a maior é a caridade...” (1Cor 13.13). Depois segue-se o tempo de Marta, que se instrui, cresce, purifica e aprofunda na fé (vs. 20-28 e sobretudo 39). Mas depois regressa (Maria vs 29-33) com tal autenticidade (maturidade?) que o seu coração comove o coração de Jesus (vs. 33). Séculos à frente o santo cardeal Newman haveria de escolher para seu lema a máxima “Cor ad cor loquitur - O coração fala ao coração - ” talvez recordado de quanto o amor de Maria havia despertado a compaixão de Jesus e que, no começo, a compaixão de Jesus havia salvo do opróbrio o coração de Maria...
* Finalmente, eis-me chegado a Lázaro. Acerca dele o Evangelho diz-nos quatro coisas essenciais:
a) Que estava doente. Tão doente que havia de morrer daquela doença que chamamos “pecado original”. Que esta doença o atou de pés e mãos e o enrolou em ligaduras em torno das suas feridas, complexos de inferioridade, ou superioridade — tanto faz — fechado em si mesmo, incapaz de sair de si mesmo, como todos os que se centram em si mesmos. Parece podermos ver nele que o mito do auto-conhecimento (Max Scheler) é sobretudo um enfaixamento e fechamento no lugar onde o homem só conversa consigo mesmo…
b) Que Jesus era seu amigo (vs.3 e 5). Portanto, que o próprio Jesus, Filho daquele Deus que é “amigo dos homens”, como dizem as Escrituras e depois na liturgia, não esquece o “homem doente” (vs.1). Aliás o nome Lázaro evoca-o já que quer dizer “Deus socorre”.
c) Que Jesus vem, Ele mesmo, salvá-lo. Aliás, por nós homens, e por nossa salvação, veio até Betânia já que Betânia é onde estão os que esperam a sua visita e salvação. E quando lá chega diz aquela Palavra que “dá vida aos mortos e chama do nada [da frivolidade, da dissipação da inteligência em tarefas oportunistas] à existência (Rm 4.17).
d) Que Lázaro ressuscitou mesmo! Ou seja, que não faz nada que signifique nada. Tudo dependia de Jesus. Sempre que aparece no Evangelho Lázaro está sempre em silencio: porque viver é ouvir Jesus! Lázaro dá testemunho: da sua vida salva por Jesus. Vem gente de todo o lado para ver aquele que testemunha o poder de Jesus (vs. 12.9). Sim, Lázaro é a esperança. “Sei em quem pus a minha esperança” dirá mais tarde S Paulo a Timóteo (2Tim 1.12). Lazaro espera tudona vida, a vda toda da sua relação com Jesus. O Padre S. Breton disse certa vez que a relação é como “uma certa passagem...”: do eu ao tu, do que é meu ao que é teu, do nada ao ser! Lázaro é a esperança porque a esperança é não ter. Enquanto temos mais do que “esperar” pretendemos. Esperar é não ter se não relação de fé e amor com Aquele que tem.
* Obviamente que o Senhor Jesus vai se manifestando nos contornos do que é dito a propósito de cada um destes personagens. Mas, ainda assim, parece-me relevante sublinhar o seguinte:
- Jesus atrasa-se! Deliberadamente. Os atrasos de Jesus chamam-se “vida”! O Senhor desaparece para que apareçamos nós! Para que apareçam as máscaras dos nossos disfarces eficientes que bem rimam com a nossa auto-suficiência; para que se vejam os músculos pujantes do orgulho a que por vezes chamados saúde, portanto, que tantas vezes nos faz resvalar para o individualismo; para que apareça, enfim, toda a farsa da nossa rebelião: para que nos cansemos e finalmente digamos ao Senhor “vem depressa por que não vivo: sob-vivo...!”
- Jesus quer a glória de Deus, que parafraseando S. Ireneu não é outra coisa se não a nossa comunhão com a vida que Deus tem para nós. Deus glorifica-se e entusiasma-se de nos ver viver por Cristo, com Cristo, em Cristo. Tudo o mais que parece vida mas não nos faz comungar com Cristo não é senão simulacro e ilusionismo: o homem que não conhece Cristo vive as pandemias com pânico. Quem conhece Cristo volta-se para Ele com temor, caridade e esperança.
- Cristo ressuscita Lázaro pelo poder da Sua Palavra! Precisamos de ouvir o Evangelho para viver. O poder de Deus é um tema importante no Novo Testamento. Talvez para evitar confusões com o poder entrevisto nos impérios e com o poder politico que não raro escorre para a prepotência, os cristãos falam da graça de Deus esquecendo, não raro, que na mesma actua o poder de Deus. Ora o poder Deus actua, e tanto, na Sua Palavra. E tira-nos para fora. Dá-nos a comunhão de vida com os outros. Senta-nos com os outros. Dá-nos casa. Como o vemos acontecer em Lázaro.
- Jesus ensina e corrige: os discípulos, Marta, em algum momento Maria e Lázaro. E aqueles que vem com Ele, vem até Ele. Um “cristianismo” que não ensina a viver não descende do poder de Cristo, corrompeu o poder de Cristo.
- Finalmente, Jesus comove-se: com a morte de Lázaro, com a dor de Maria, com as acelerações de Marta. Jesus comove-se com os que não se comovem com Ele! E com os duros de coração que se preparam para o desfile da Sua morte. Comove-se com os tímidos e apoucados que não podem dizer o que pensam porque sabem avaliar donde sopra a força. Mas Jesus comove-se de um soluço e frémito tal, e dirige uma Palavra tão poderosa à morte, que nos dá a Igreja. Sem a Igreja a ressurreição de Lázaro teria sido tão efémera e “judaica” quanto o fora a vida de Lázaro A Igreja é o poder de Cristo continuado a dizer nos vales dos medos e da morte a Palavra eterna, eternamente geradora de vida e de regresso à mesa e a casa!
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